Fui demitida por ter me tornado mãe

Amado filho,

Resolvi escrever esta carta hoje, passados alguns dias do ocorrido. Já me sinto mais segura para te contar o que me aconteceu em dezembro de 2015 – sete meses e meio depois que vocês nasceu. Estou certa de que você não lerá esta carta nos próximos dez anos e, mesmo que o faça, não a irá entender muito bem. Escrevo para te deixar um aprendizado para seu futuro um pouco distante.

Há quase sete anos eu começava a minha vida profissional como professora de Ensino Médio em um bom colégio no Rio de Janeiro. E, em sala de aula, decidi que queria mesmo lecionar. Consegui aliar as ciências sociais (uma das minhas paixões) à educação de jovens e, mais tarde, de adultos (mas isso é outra história). A verdade é que ao longo desses anos eu consegui ser uma boa professora (não sou tão convencida a esse ponto, filho, falo isso pelos comentários dos alunos e pelos retornos dos próprios colégios), sempre aberta a ouvir as opiniões dos alunos, dando importância aos seus pensamentos, tentando sanar suas dúvidas e – o mais importante que considero na minha profissão – ensinando-os a questionar o mundo, refletir criticamente e criar seus próprios argumentos de forma sólida.

Em agosto de 2014, descobri que estava grávida de você, filho – uma alegria sem tamanho! Eu e seu pai já estávamos tentando engravidar já fazia um ano e meio, então descobrir sua gravidez foi um presente para nós. No final desse mesmo ano, me organizei para sua chegada, entre outras coisas reduzindo minha carga horária para trabalhar menos e ter mais tempo para cuidar de você nesses primeiros anos da sua vida. Continuei trabalhando em dois colégios particulares e na rede pública estadual.

Você nasceu no dia em que quis, filho. Eu não marquei o parto. Muito pelo contrário, sempre quis te ter de parto normal e você escolheu vir ao mundo dia 26 de abril de 2015. Você nasceu no final de um bimestre letivo– um momento bem conturbado para uma escola. Já desde dez dias antes, tive que entrar de licença médica a que se seguiu, naturalmente, a licença maternidade.. Nesse meio período que você nasceu trocando a noite pelo dia, eu estava com as provas do bimestre anterior para terminar de corrigir. A verdade é que, por mais que tenha me esforçado, não consegui terminar. Eu estava ocupada demais cuidando de um recém-nascido, em um momento crítico para as recém-mães e simplesmente não havia nem tempo nem forças para fazer algo diferente de me dedicar integralmente a você – para isso existe a licença. O tempo passou e outro professor do colégio acabou corrigindo para mim.

Minha licença maternidade passou voando, quatro meses e meio cuidando de você intensamente, filho. Tivemos diversos momentos difíceis: cólicas até o terceiro mês, amamentação diurna e noturna, ajuste ao horário convencional para dormir e ficar acordado, além das tristezas comuns no pós-parto (baby blues).

Voltei para a escola, mesmo com você em amamentação exclusiva. Tirava leite para deixar guardado e, para ser menor minha saudade e para o meu leite não empedrar, te levavam até a escola, na hora do recreio para você mamar. Fiz de tudo para que você ficasse bem, mesmo eu tendo que me dividir entre você, trabalho e casa. O ano terminou depressa, você já tinha sete meses e eu estava quase entrando de férias no final de dezembro. Recebi um telefonema: eu precisava comparecer à escola para uma reunião. Fui até lá.

Filho, quando cheguei e vi a escola vazia, senti algo estranho. Parecia que o que aconteceria ali deveria ser visto pelo menor número possível de pessoas. Entrei na sala do diretor e ele me disse que eu estava sendo desligada da escola. Consenti com a cabeça e respondi: “tudo bem. Posso saber o motivo?”. A resposta dada me fez ter vergonha da instituição que trabalhei por quase sete anos: “você falhou ao não conseguir corrigir as provas bimestrais, passando para outro professor esta tarefa”. Não discuti, não xinguei, não reclamei. Tive pena desse discurso pequeno e respondi que durante todos aqueles anos trabalhados na instituição eu não tinha NENHUMA reclamação, se tive problema em entregar as provas corrigidas é porque tive um motivo: eu estava PARIDA e de licenças médica e maternidade.

Saí de lá sem acreditar no motivo tosco por que fui demitida. Não reconhecia mais o colégio que me acolheu em 2010 com seus princípios tão nítidos. Sim, o colégio mudou e eu não havia me atentado, mudaram os donos e talvez os valores tivessem mudado também. Não chorei, não esbravejei, só consegui ligar para seu pai, que já tinha trabalhado lá, e que também ficou estático sem acreditar no ocorrido.

Por que você precisa saber desse acontecimento, filho? Primeiramente, eu não quero que você se sinta culpado pela minha demissão: a decisão de te ter foi minha e de seu pai, e eu sabia desde o início que, entre todas as possibilidades, cuidar de você seria a minha prioridade, então, eu JAMAIS iria abrir mão dos primeiros dias cuidando de você para corrigir provas, principalmente porque eu estava gozando de uma licença legal, escrita com valor de lei e consolidada nas leis trabalhistas.

Segundo porque gostaria que você soubesse pela minha boca desse ocorrido para olhar para as mulheres e, principalmente, para as mães com mais cuidado. Sim, hoje, em 2015, a mulher ainda sofre preconceito de conseguir um emprego estando em idade fértil, pois ela poderá engravidar, tirar licença maternidade (looongos quatro meses), poderá faltar por seu filho estar doente ou a babá não ter chegado a tempo. Filho, as mulheres ainda ganham menos que os homens e são demitidas logo após a sua volta ao trabalho depois do parto.

Tudo isso pode parecer inadmissível na época em que você está (tomara mesmo que algo tenha mudado até a sua idade adulta), mas eu escrevo essa carta de coração aberto, para você ter consciência do valor da mulher na família, na sociedade e no trabalho. E, caso você ocupe um cargo de liderança, possa respeitar esse momento sublime da mulher e da humanidade que é a maternidade. Não, você não nasceu de chocadeira, você tem uma mãe presente que te educou com valores e ética. Não posso garantir o mesmo em relação aos algozes dessa história. Fica a minha reflexão para você levar para a sua vida.

Com todo carinho do mundo, da sua mãe que te ama que chega a doer.

Lilica.